RESENHA DE MEMÓRIAS DE MINHAS PUTAS
TRISTES DE GABRIEL JOSÉ GARCIA MÁRQUEZ
Rosângela Sá dos Santos Carneiro
Gabriel
José Garcia Márquez em 2004 escrevia Memórias de minhas putas tristes, a
história é dividida em cinco capítulos e é narrado por um homem, em meados da
década de 30, em comemoração ao seu aniversário de 90 anos. O livro trata das
reminiscências de um jornalista que viveu a margem da sociedade sem nunca ter
tido o interesse em sair da mesmice ou como diria a juventude da época não
querer evoluir com o tempo. A casa que o pai comprou em leilão público no final
do século XIX, alugando o andar de baixo para lojas de luxo de um consórcio de
italianos, e no qual reservou o segundo andar para viver feliz com a filha de
um deles.
Aos
dezenove anos sua mãe o levou pela mão para ver se conseguia publicar no El
Diario de La Paz uma reportagem da vida escolar. Passados anos descobriu que
sua mãe pagou não somente àquelas publicações como as sete seguintes e ao
descobrir era tarde para se cobrir de vergonha porque suas crônicas semanais
voavam com asas próprias.
Após
a morte da mãe tísica aos 50 anos, do pai que amanheceu morto em sua cama de
viúvo no dia que foi assinado o tratado da Neerlândia, que pôs término a guerra
dos Mil Dias e a tantas guerras civis do século anterior, continuou a morar na
casa, mas sem se preocupar com os cuidados que deveria dar ao imóvel que foi
envelhecendo junto com ele.
Durante
quarenta anos foi domador de telegramas do El Diario de La Paz, possuidor de
uma aposentadoria resultante deste ofício, era professor de gramática
castelhana e latim, conhecido pelos alunos como Professor Desolado Outeiro e só
descobrindo o apelido anos depois. Escritor de crônicas dominicais no El Diario
de La Paz que complementa sua parca renda. Sócio fundador do Centro Artístico,
admirador de arte e possuidor de cultura, além de precioso ouvinte de música
clássica, gosto herdado de sua mãe, alem da caligrafia romântica que mantinha
em suas crônicas escritas a caneta de pena, cultivando a alegria do passado. A
personagem descreve seus arroubos sexuais desde os 12 anos e que essas mulheres
que não o deixaram ter tempo para o amor porque sempre pagou para ter esses
deleites e se acontecesse com outras mulheres sempre pagava, mesmo que elas
jogassem seu dinheiro fora. Apesar da ideia de escrever a lista de suas
misérias na cama, o título cai do céu, Memórias de minhas putas tristes.
Somente duas mulheres no livro são firmes com ele, a primeira é sua mãe por
quem tem adorável veneração e a segunda Ximena Ortiz que o conduziria a um
casamento se não tivesse ido embora do país e o deixasse para trás reaparecendo
vinte anos depois.
Aos
noventa anos decide presentear-se com uma noite de prazer com uma virgem, que
julga ter a capacidade de proporcionar-lhe o “início de uma nova vida, e numa
idade que a maioria dos mortais está Morta”. (Márquez, 2004, p11).
Ao
pedir a Rosa Cabarcas a indicação de uma jovem virgem e após horas de espera na
véspera de seu aniversário e de uma resposta afirmativa, surge a jovem que o
jornalista denomina de Delgadina, a filha do rei, canção entoada por ele
enquanto vela o sono da moça, chamada pela Dona da Casa e menina. Moça pobre e simples que cuida dos
irmãos e trabalha numa fábrica como pregadora de botões. O jornalista
utiliza-se do quarto da casa de Rosa Cabarcas e dele faz seu reduto de encontro
com a jovem que, apesar de não ter nenhum relacionamento sexual o jornalista se
vê enredado pelo amor, sentimento este que resulta em ciúme, ira, acusação de
traição, os devaneios de um homem que não conheceu o amor na tenra idade, mas
ao senti-lo ganha força e ânimo para viver até os cem anos. Encontra uma antiga amiga, Casilda Armenta e
após contar-lhe as desventuras ela o aconselha a retomar seus poucos anos com a
jovem. Isso resulta num acordo entre o jornalista e Rosa Cabarcas, cujo
objetivo é quem morrer primeiro fica com os bens do outro e cuida da jovem.
Nota-se
claramente que o romance trata da questão da idade, do desrespeito, do
preconceito em relação à velhice e que nesta idade podemos perceber o despudor
de ficar apenas a contemplar a amada desnuda, pois enquanto a jovem dorme ele a
contempla, lê para ela, cuida amorosamente de seu sono. Esse amor despudorado
que leva os mais jovens e incautos a cometerem loucuras atrozes e desvarios.
Essa narrativa surge justamento no momento em que a degeneração do ser o está
consumindo pelo tempo. E que ao descobrir o amor muda o seu próprio jeito de
escrever as crônicas de modo mais apaixonado que leva o jornalista a ser
aclamado e reconhecido pelos leitores.
Nós
latino-americanos somos maus vistos pela Europa por sermos considerados seres
primitivos e sem civilização. O livro mostra que a sutileza do assunto é
absolutamente inteligente, sem preconceitos, sem exageros ou desatinos. A obra
é divertida e bastante criativa, independente do caos das lutas sangrentas pela
liberdade alguém era feliz todas as noites até morrer, pois a jovem também o
amava do fundo do ser e da alma.
Este
livro demonstra um lado obscuro de um jornalista que não possui formalismo e
nem tem compromisso com um ideal político, viveu do jeito mais promíscuo e não
deu nenhuma importância as causas do seu país. Passou por guerras e guerrilhas
mais preocupado em viver os momentos sexuais que seu dinheiro poderia pagar.
Contrário exatamente ao autor do livro que teve seus familiares ligados às
questões políticas. O avô de Gabriel José Garcia Márquez era veterano da Guerra
dos Mil Dias. Gabriel nascido em 1928 teve uma vida atribulada na infância,
pois seu pai era o oposto do que seus avós queriam para a filha, embora
recheado de histórias que sua parteira contava sobre o vilão que era sempre o
ditador Juan Vicente Gomez. É um importante escritor colombiano, jornalista,
editor, ativista político que teve sua vida atribulada como correspondente em
jornais da Europa, em Nova Iorque foi perseguido pela CIA por suas críticas a
exilados cubanos e suas ligações com Fidel Castro isso o leva a mudar-se para o
México. Em 1981, volta à Colômbia e é acusado pelo governo colombiano de
colaborar com a guerrilha. Em 1982 recebe o Prêmio Nobel de Literatura.
Contrário ao jornalista do livro Gabriel José Garcia Márquez tem simpatia por
movimentos revolucionários da América Latina. Em 2006 apoiou juntamente com
outras figuras públicas a independência de Porto Rico. Em algumas ocasiões foi
mediador entre governo colombiano e as guerrilhas.